segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Nem me lembro mais

Nem me lembro mais

Nem me lembro mais quando surgiu esse interesse. Provavelmente foi vendo minhas irmãs mais velhas no quarto à frente do espelho, passando horas e horas se maquiando. O fato é que há sete anos coleciono bonecas. A beleza das bonecas é eterna, e nem rugas e cabelos brancos estragam sua imagem.

As primeiras que peguei foram as das minhas irmãs. Cada uma tinha um traço que me atraía. A da mais velha tinha cabelos cacheados, que eu penteava todos os dias. A outra tinha a boca tão pequenina! O batom em seus lábios tão delicados era um pequeno botão de rosa tão lindo!
Percebi, porém, que não estava satisfeito. Fui, então, atrás de outras que possuíssem detalhes diferentes e particulares que me parecessem atraentes. Percebi também que se as deixasse ao ar livre, elas invariavelmente estragavam (foi o que aconteceu com as das minhas irmãs). Passei então a colocá-las em embalagens, uma ao lado da outra. Para isso, moro em uma casa um pouco afastada do centro, onde tenho um quarto só para elas.
Fora esse hobby inusitado, levo uma vida normal. Sou funcionário de uma empresa especializada em cosméticos. Irônico, não é? Trabalhar para uma empresa que vende produtos para as mulheres ficarem, ou quererem ficar mais bonitas, eu, que não vejo mais graça nelas. E antes que pense ou me pergunte, digo-lhe que não me interesso por homens também. Minha única paixão são minhas queridas deusas. Elas são minha razão de vida.
A minha última aquisição foi Lorelei. Um dia, enquanto andava pelo centro da cidade apressado, passei em frente à loja onde ela estava. Nossos olhos se encontraram por pouco tempo, mas foi mais do que suficiente para saber que ela tinha que ser minha. Aquelas pedrinhas preciosas azuis brilhavam ao ponto de ofuscar a vista de uma pessoa. Mas não ache que foi uma aquisição fácil: demorei semanas negociando até poder levá-la para casa. Ah!  Como as pessoas são complicadas! Eu só queria colocar minha pequena Lorelei em seu lugar na estante, linda...
É claro que tive de arrumá-la, pois havia acessórios demais; suas roupas não combinavam com seu jeito, e seu cabelo estava todo emaranhado. Eu dizia a ela “Não fique assim, minha querida! Logo você será mais uma estrela nesse meu céu”! Tirei também todo seu enchimento, trocando por um material de melhor qualidade. Coloquei-a ao lado de Charlotte perto da janela.
Vê? Percebe como é tão fácil ser feliz em uma vida? Tudo o que se precisa é estar ao lado de quem se ama! Por que todos me criticam então? Quando descobriram minha coleção, matérias e matérias no jornal saíram. Todos se indignaram, perdi o emprego, fui preso! Por causa de bonecas! Que mal tem em querer a perfeição? Por que estou nesse lugar execrável largado aos vermes? E minhas musas! Oh! Minhas musas! Foram queimadas...
Diga-me: por que me chamam de monstro?

Braulio A Freire

Um comentário:

  1. uóoooooooooooohhhh!!!!! esse conto é perturbaaaadoooooooo...! mto bom, braw! arrepia toda vez!
    pri.

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