Havia chegado
Havia chegado à tão famosa idade do
condor. Não que estivesse triste; era apenas um aborrecimento: sabia que essa
hora chegaria cedo ou tarde. Só torcia para que fosse mais tarde. Enxergava
muito bem para a idade, usando apenas óculos para leitura. Olhos de falcão,
dizia. Olhos de um falcão bem vivido. Sua audição também ia muito bem. Não era
mais tão afinada como na juventude, tampouco deixava alguém falando sozinho,
passando por mal-educado.
Articulações. Esse era seu problema.
Suas juntas (ou “soltas”, como gostava de dizer) doíam. Doíam e doloriam, o
tempo todo. As únicas coisas que lhe traziam um pouco de conforto eram as
auto-piadas que ele e seus amigos, todos rapinos, faziam. Gostavam
particularmente de renomear as dobradiças: as que já estavam definidas eram os
dornozelos, doelhos e cotovelhos. Estavam há semanas atrás de algo convincente
para costas e pescoço.
A situação ainda tinha piorado, ou
piorara, como se dizia na sua época, nos últimos meses: uma dor nômade se
instalara em seu corpo. De tempos em tempos ela viajava das pernas para os
braços, dos braços para as costas, das costas para a cabeça. Esse sofrimento
migratório já o assustara várias vezes, mais ainda seus familiares, pois tudo
lhe rendia uma viagem ao hospital; mas esse incômodo era tímido, e sempre se
escondia na frente dos médicos. Os doutores, não encontrando nenhuma causa
aparente, recomendavam-lhe repouso. Bastante repouso.
Foi assim que entrou nesse esquema
de passeios na praça e encontro com os amigos, não sem muita preocupação de
todos. Podia ter um troço no meio da rua. Um dia teve. Não ele, na rua.
Tropeçou num troço no meio da rua. Chegou em casa todo esfolado e, diante dos
olhos arregalados, disse apenas que se ele “parecia mal, deviam ver o estado do
bandido” que se meteu com ele. E dá-lhe viagem ao hospital.
O fato mais marcante dessa fase de
sua vida, entretanto, deu-se em seu próprio quarto à noite. Dormia o casal em
camas separadas, desde o trágico dia em que ele, envolto em seus sonhos juvenis
agitados, golpeou a esposa no olho; ela não o perdoara até então. De qualquer
forma, na noite em questão, estava ele já pronto para dormir, quando “a dor”
fixou residência. Melhor dizer que ela se apossara de seu corpo: uma dor, mais
aguda do que nunca, despontara em seu peito. Um infarto? Porém, todas as tribos
“da dor” se manifestaram, e seu abdômen e suas costas doíam em conjunto. Estava
parando de funcionar.
Sentiu-se relaxado, a dor sumindo. É
a morte, pensou. Finalmente deixara essa vida de sofrimentos para trás. Quando,
para sua desagradável surpresa, abriu os olhos, percebeu que havia apenas
molhado a cama. Não sentiu vergonha de si: estava apenas frustrado por ter que
levantar, pois essa sensação gostosa e quentinha na região pélvica logo se
tornaria uma gelada porta de entrada para gripe. Dor e gripe e, com isso, mais
dores? Não, obrigado. Obrigado foi a se levantar.
Esse rendeu comentários aqui em casa, pq meus pais tb leram... fizeram uma super análise de vc XD hihihihihihi
ResponderExcluirXD
Luciana