quarta-feira, 20 de junho de 2012

Havia chegado


Havia chegado

            Havia chegado à tão famosa idade do condor. Não que estivesse triste; era apenas um aborrecimento: sabia que essa hora chegaria cedo ou tarde. Só torcia para que fosse mais tarde. Enxergava muito bem para a idade, usando apenas óculos para leitura. Olhos de falcão, dizia. Olhos de um falcão bem vivido. Sua audição também ia muito bem. Não era mais tão afinada como na juventude, tampouco deixava alguém falando sozinho, passando por mal-educado.

           Articulações. Esse era seu problema. Suas juntas (ou “soltas”, como gostava de dizer) doíam. Doíam e doloriam, o tempo todo. As únicas coisas que lhe traziam um pouco de conforto eram as auto-piadas que ele e seus amigos, todos rapinos, faziam. Gostavam particularmente de renomear as dobradiças: as que já estavam definidas eram os dornozelos, doelhos e cotovelhos. Estavam há semanas atrás de algo convincente para costas e pescoço.
            A situação ainda tinha piorado, ou piorara, como se dizia na sua época, nos últimos meses: uma dor nômade se instalara em seu corpo. De tempos em tempos ela viajava das pernas para os braços, dos braços para as costas, das costas para a cabeça. Esse sofrimento migratório já o assustara várias vezes, mais ainda seus familiares, pois tudo lhe rendia uma viagem ao hospital; mas esse incômodo era tímido, e sempre se escondia na frente dos médicos. Os doutores, não encontrando nenhuma causa aparente, recomendavam-lhe repouso. Bastante repouso.
            Foi assim que entrou nesse esquema de passeios na praça e encontro com os amigos, não sem muita preocupação de todos. Podia ter um troço no meio da rua. Um dia teve. Não ele, na rua. Tropeçou num troço no meio da rua. Chegou em casa todo esfolado e, diante dos olhos arregalados, disse apenas que se ele “parecia mal, deviam ver o estado do bandido” que se meteu com ele. E dá-lhe viagem ao hospital.
            O fato mais marcante dessa fase de sua vida, entretanto, deu-se em seu próprio quarto à noite. Dormia o casal em camas separadas, desde o trágico dia em que ele, envolto em seus sonhos juvenis agitados, golpeou a esposa no olho; ela não o perdoara até então. De qualquer forma, na noite em questão, estava ele já pronto para dormir, quando “a dor” fixou residência. Melhor dizer que ela se apossara de seu corpo: uma dor, mais aguda do que nunca, despontara em seu peito. Um infarto? Porém, todas as tribos “da dor” se manifestaram, e seu abdômen e suas costas doíam em conjunto. Estava parando de funcionar.
            Sentiu-se relaxado, a dor sumindo. É a morte, pensou. Finalmente deixara essa vida de sofrimentos para trás. Quando, para sua desagradável surpresa, abriu os olhos, percebeu que havia apenas molhado a cama. Não sentiu vergonha de si: estava apenas frustrado por ter que levantar, pois essa sensação gostosa e quentinha na região pélvica logo se tornaria uma gelada porta de entrada para gripe. Dor e gripe e, com isso, mais dores? Não, obrigado. Obrigado foi a se levantar.

Um comentário:

  1. Esse rendeu comentários aqui em casa, pq meus pais tb leram... fizeram uma super análise de vc XD hihihihihihi
    XD
    Luciana

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